quarta-feira, 4 de abril de 2012

Para se ler ao som de Balada do lado escuro...

É proposital o título. Sim, já me defendo dizendo que estou copiando um modo de criação de Caio Fernando Abreu. Enfim, somos sempre tocados e influenciados por textos que nos falam algo e o texto de Abreu sempre comunica algo que me toca fundo!
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Um dia, conversando com um amigo via internet mesmo, ele me mostrou a música "Balada do lado escuro", de Gilberto Gil cantada por Maria Bethânia. E como legenda da música ele afirmou: "Às vezes eu sinto uma dor que parece a dor do mundo. Um dia ouvindo esta música na voz de Bethânia eu brinquei comigo mesmo dizendo que talvez essa dor fosse a dor do lado escuro". Não preciso dizer que esta afirmação me deixou maravilhado pela sua poeticidade (e este querido amigo não é poeta de profissão), mas que me deixou um tanto surpreso porque afinal de contas é doloroso demais carregar a dor do mundo nas costas, quando mal suportamos a nossa condição humana! E eu tentei de todos os modos uma resposta para a afirmação deste amigo, uma resposta para mim obviamente, já que eu sei de minha incapacidade de curar feridas alheias!
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Perdoem-me o cabotinismo, mas a resposta veio exatamente quando eu folheava minha dissertação de mestrado e quando li a dedicatória deste meu trabalho: "Dedico o presente trabalho: à memoria dos "meus mortos", espelhos da minha mortalidade; aos "meus vivos" propulsores do desejo de novas possibilidades".
É engraçado como somos tocados por alguns assuntos, temas... a morte, como aqueles que me conhecem devem saber, é um tema que sempre me fascinou e me fascina, tanto que trabalho com isso desde que entrei na graduação. A primeira vez que eu soube que as pessoas morrem foi uma notícia brusca que minha mãe me deu. Estávamos eu, ela e minha irmã, então com 15 anos,  em torno da mesa e cantávamos cantigas, quando, de repente, minha mãe do nada ou não, porque a memória é essa coisa falha e sem próposito que guarda somente aquilo que lhe convém, afirmou: "Vocês sabem que um dia a mãe vai ficar velha, vai adoecer e vai morrer, não é?" E isso foi o golpe mais dolorosamente cruel que minha mãe e a vida poderiam ter me dado. Desde então, eu vi gradativamente pessoas morrerem perto de mim.
Ainda é com dor mais terrível que me lembro da notícia da morte de meu pai, quando eu era apenas um adolescente de 14 anos... me lembro o modo como corri desabalado pelas ruas do meu bairro para abraçar minha  mãe e dizer-lhe que ela era a única coisa que me restava! E, depois, veio a morte do meu irmão da qual fui testemunha ocular. Ter 20 anos, idade de afirmação da vida, presenciando a morte não é nada fácil.  Ver a cara da morte estampada no rosto do outro, e de um outro que você ama, é a mais dolorosa revelação da nossa mortalidade. E, finalmente, vieram as mortes do meus padrinhos, segundos pais a quem eu tinha um carinho imenso, sobretudo, a minha madrinha que sempre torcia por todos!
A morte pode ser o lado absoluto dessa escuridão que teimamos ignorar! Porque enfrentamos a fome, as intempéries, a destruição e os insucessos, mas a desumanização da morte é algo sem precedentes em nossa cabeça!
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Entretanto, é possível tirar lições lindas da morte. Porque ela é contraparte da vida, sinônimos indissociáveis, como diria Caio Fernando Abreu, de quem eu tanto gosto. E essa lição acho que aprendi.... É preciso tirar o seu quinhão de alegria da aridez da Terra... eu tento tirar o meu, às vezes, com gargalhadas histéricas, mas com a certeza da transitoriedade de tudo!
Porque no fundo, morrer se manifesta em todas as coisas: há um pouco de separação no encontro, mas também há muito de encontro na separação; há muito de tristeza na alegria e muito de alegre na tristeza. E respondendo, para mim mesmo, a afirmação do meu amigo: há sempre um pouco de claridade no lado escuro. Porque já dizia o sabio chinês: há vida na morte, há luz nas sombras, há feminino no masculino, há sempre binaridade em tudo. Isso é Tao, supremo encontro, transitoria separação!
Escrevo isso contaminado pela ressurgimento da vida. Eu que estive morto durante o inverno, ressurjo junto com as folhas verdes da primavera que me trazem um pouco do que meu país me dá...Entendo porque a Páscoa é comemorada nessa data... aqui, a morte é vencida pela vida que teima em ressurgir de todos as cantos, com todas as cores...
Então, nesse momento não canto a balada do lado escuro, mas grito por Oxóssi, cavaleiro de Aruanda, que espalha seu verde por esta terra gelada e vou vivendo na certeza de que eu sou eu, mas também sou outro e de que a minha vida é motivada por meu encantamento e perplexidade pela variedade da vida. Embora tocado pelo terror da minha mortalidade, ainda prefiro o encontro com meus vivos, impulsos para minha continuidade e assim eu aprendo a ser.. e assim eu aprendo a ser...

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