sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O sábio, a besta acadêmica...

Não meus caros... isso não é uma discussão sobre o Apocalipse, por mais que os cristãos fundamentalistas de plantão estejam cantando hosanas à espera do Armagendon que irá limpar o planeta de toda a peste pecadora, a saber toda pessoa que seja minimamente engajada em direitos civis, que queira discutir a distribuição de renda, o casamento gay, o direito das minorias, o direito das mulheres abortarem, etc.
Mas há um tipo de clichê de sabedoria que anda me apavorando ultimamente e que pode ser ilustrada nessa histórinha do sábio que anda pelas tribunas de vários palestrantes, religiosos ou não... A história é seguinte (e deixo claro que essa é uma versão que escrevo com minhas palavras):
Um sábio caminhava com seu discípulo, quando notou que havia um escorpião que estava lutando para não afundar na água. E ele, como sábio, resolveu dar uma lição ao seu discipulo. Ele pegou escorpião com as próprias mãos e este o picou e voltou para o mesmo lugar de onde fora retirado. E o sábio o salvou mais uma vez, tendo como retribuição mais uma picada. E isso, segundo a narrativa, se repetiu por duas ou três vezes até que o discípulo interveio e disse ao seu "sábio mestre":
- Mestre, mas por quê o senhor insiste em salvar este animal, se todas as vezes ele vos ataca e volta para o mesmo lugar onde certamente encontrará a morte?
E o sábio:
- Porque a sua natureza é a de me atacar e a minha natureza é de salvá-lo...
Bom, eu nem preciso comentar o ridículo dessa lição, não é? Na verdade, esse tal "sábio" é um bom representante da "sabedoria" que anda espalhada pelo nosso mundo, sobretudo, nas redes sociais. É uma sabedoria pasteurizada, cheia de fórmulas prontas retiradas da Bíblia ou de livros de autoajuda que só ajudam seus autores e que expõem o quanto estamos longe de uma reflexão de verdade. No fundo, eu acho que essas pessoas precisam mesmo é de uma boa vida sexual, porque nada melhor do que um bom orgasmo pra fazer as cabeças funcionarem melhor...
Não há nada mais irritante do que esse pseudointelectualismo que existe atualmente no Brasil. Hoje mesmo um amigo postou uma simples frase opinitiva, dizendo que não concordava com o fato de as redes sociais serem usadas para promoção de autoajuda, religião e mesmo confissão dos fatos da vida. O que se viu foi um festival de discussões "sábias", "filosóficas", sacando filósofos das cartolas e outros aparatos da magia da intelectualidade ocidental. Toda essa discussão termina com certo indívíduo sacando a seguinte afirmação: "Eu não posso ter respeito por um homem que se afirma ateu como Nietzsche" e termina dizendo: "que o filósofo ataca os preceitos da fé".
Como diria uma amiga: "Ai meu Deus!". O cara saca uma discussão sobre a crise de subjetividade e acaba defendendo os preceitos da fé... ah ta: muuuuuiiiiiito coerente!!! Bem se vê que são pessoas que não estão acostumadas a pensar, a ter suas minicertezas questionadas e, claro, na hora do "vamos ver" tiram da manga uma discussãozinha pré-pronta como aquelas massas de lasanha ou pastel, ou aqueles macarrões de massa fresca que compramos para almoçar com a mãe no domingo. É claro: pode sair uma coisa muito boa, mas não devemos esquecer que isso ja estava formatado, pronto, esperando apenas a possibilidade de ir para o forno e sair quentinho pra comentar algum post que se encaixe na discussão de manual.
Não que eu seja um defensor perpétuo da filosofia de Nietzsche, mas não há como não admirar as ideias do cara, mesmo que você não concorde com elas. E, aliás, a discussão nem é sobre o filósofo, mas sim sobre essa tendência de intelecto de quinta categoria que aparece em algumas timelines.
Eis então o dilema da chamada "Elite cultural brasileira", porque essas pessoas se sentem elite, elas estão no teatro, nos jornais, dão aulas na universidade e se sentem o tempo inteiro 100% engajadas. Para elas, postar o "videozinho da moda" é um crime contra a intelectualidade, porque intelectual deve ser sério, deve fazer de sua timeline um lugar para discussões filosóficas do mais alto quilate.
Esse agrupamento de intelectuais é o que denomino a "besta acadêmica"... ela é pior que a besta apocalíptica porque ela pode ter um milhão de cabeças que podem falar desde as mais tolas futilidades da vida até as discussões que poderiam ser consideradas as mais sérias e por trás de sua pretensa inteligência existe um ignorantismo e um autoritarismo sem tamanho, já que essa besta de milhões de faces, não está acostumada a pensar e nem a discutir a partir de suas próprias ideias. No fundo, elas votam na direita conservadora. No fundo elas são defensoras da moral e dos bons costumes burgueses, num mundo em que vemos, todos os dias, as estruturas autoritárias serem questionadas. Elas se sentem senhoras de si. Elas acham que um título como o de Doutorado, por exemplo, é mais do que um simples título que fará com que o indivíduo que o porte receba um melhor salário. Eles realmente acreditam que um "doutor" deve ser um destacado na multidão, deve ser um símbolo de intelectualidade séria, sem o menor rastro de futilidade. Enfim, eles que creem que títulos fazem das pessoas seres superiores. Que ter lido Proust ou Brecht me faz diferente da doméstica ou do gari
Eu tenho medo de pessoas assim. Eu tenho medo ser uma pessoa uma assim. Por isso, estou sempre pronto a achar a Universidade, lugar onde estudo e preparo meu doutorado, um lugar de trabalho somente e não o lugar onde entregarei minha vida, amém.... Porque minha vida é muito mais do que ter defendido uma tese ou ter conseguido uma vaga numa universidade. O que me conforta é saber que a grande maioria das pessoas que estão entre meus amigos, virtuais ou reais, pensam igual a mim.
Só para terminar esse desabafo eu coloco uma frase de Caetano: "Se essa geração entende de política como entende de estética [de literatura, de filosofia, de música, etc.] estamos bem! Essa é a geração que quer tomar o poder?"
Eu continuarei postando não só vídeos da moda, mas também entrarei em discussões sobre desapropriações ilegais, falta de respeito com as minorias ou intolerância... porque eu sou assim... eu tenho a boca grande e esse é meu mal.