sábado, 21 de janeiro de 2012

Um grito por Elis Regina...

Andei meio sem vontade e inspiração pra escrever... pra falar a verdade, não sei se quero mais contar histórinhas brasileiras em Paris, mas isso pode ser temporário. Como isso aqui é um blog pessoal e serve como uma forma de expressão, eu resolvi, hoje, falar de referências culturais fortes para mim.
Em dezembro, fez 10 anos de morte de Cássia Eller. Para mim, Cássia Eller foi essencial por várias razões, mas eu destaco uma: ela era um roqueira no sentido estrito da palavra. Posso destacar outra se vocês quiserem: sem nunca ter afirmado ou levantado bandeiras, Cássia e sua companheira fizeram mais pela construção de um respeito pela identidade homossexual do que muitos movimentos gays oficiais (o que não quer dizer que eu não os respeite e aprove, mas paradas/carnavais não resolvem muita coisa).
Como eu não estou aqui para discutir gênero, pelo menos não neste post, eu pensei em Cássia mais como roqueira e como representante legítima dos anos do veneno, a década da quebra de todas as utopias que ainda restavam no mundo. Os anos 80 foram essa coisa amarga demais, porque no seu bojo, tivemos perdas irreparáveis: a emergência do fundamentalismo cristão brasileiro data dessa década; a Aids que veio como uma praga divina (para os ignorantes, off course) e destruiu o último reduto de liberdade que tínhamos... o nosso prazer, também é dessa época. Como o boy, personagem a quem a mulher do conto "Dama da noite", de Caio Fernando Abreu, se dirige, eu nasci com camisinha em punho... e se eu não quiser usá-la corro risco de vida... amor virou risco de vida... Enfim, se fossêmos culpar Deus, diríamos que ele é pequeno-burguês, moralista e de extrema direita... em poucas palavras... um grande fascista que nos tirou tudo... Mas me perco em digressões!
Eu quero falar que Cassia Eller foi a melhor coisa que aconteceu no fim da década de 80 e os anos 90, isso porque Cassia cantou tudo: forró, samba, dando sempre a sua pitada de roqueira ovelhanegradafamília. Ela colocou no cenário musical grandes compositores como Nando Reis, na época, integrante da banda Titãs e ratificou outros talentos, como o de Cazuza, compositor a quem ela admirava abertamente, tanto que lançou um disco só com canções do poeta que morreu pedindo piedade para os caretas e covardes que nos cercam cotidianamente. Mas falar de Cássia Eller me fez pensar em outra estrela também essencial para a música brasileira.
Dia 19 de janeiro de 1982, o Brasil estava em comoção porque perdia aquela que é até hoje considerada sua maior cantora. Depois de conquistar o país cantando "Arrastão", no primeiro festival nacional da canção, veiculado pela extinta TV Excelsior, isso em 1965, quando ainda tínhamos esperança de que a inteligência brasileira não estava ainda no seu melhor, Elis se tornou, em pouco tempo, uma estrela do quilate de uma Billie Holiday, de uma Aretha Franklin, de uma Nina Simone... Elis era genial... ela era uma voz... uma mulher pequena e intensa, de uma sensualidade/sexualidade explosiva, o que ficava muito claro nas suas interpretações e que interpretações!... Elis, como Bethânia ou Gal, dava às músicas que ela cantava uma versão definitiva. Me emociono sempre com "Cais", "Conversando no bar" ou "Corsário", musicas de gente que já nasceu com dor de cotovelo e eu nasci, não nego, sou degraçadamente melodramático, sou folhetinesco e as músicas de Elis são minha trilha sonora, sobretudo, quando a camera faz um close no meu rosto... e nem é um rosto de galã... é um rosto qualquer, desses que você pode nem prestar a atenção na multidão... um ser humano normal.
O meu caso de amor por Elis Regina Carvalho Costa começou quando eu ainda era pequeno e minha mãe cantava "Romaria" pra mim - sim, eu tenho uma mãe inteligentíssima e que me deu amor pela música - ela cantava enquanto lavava roupas de umas 10 casas para nos sustentar, isso numa época que ter um tanquinho Colormaq era um luxo sem precedentes. Minha mãe lavava roupa na mão, fumando cigarros intermináveis eu ficava ali perto dela, às vezes, jogando água na espuma de sabão de pedra para que a espuma virasse uma nata e eu a retirasse da água... brincadeiras que as crianças não terão mais e que muitas crianças da minha geração ja não tinham, porque enfim o mundo evoluiu (mesmo?)...
O fato é que Elis entrou na minha vida para sempre, mas essa admiração por sua música só foi se definindo com o tempo. Eu me lembro, e sei precisar a data de quando foi a segunda vez que ouvi Elis. Em 1985, a Som livre, última gravadora de Elis, lançou o LP "Elis, luz das estrelas". Era um LP lindo com fundo preto e uma mulher cantando num gesto magnífico, braços abertos e cabeça erguida... eu tive que aprender a erguer a cabeça como Elis, não para cantar, mas sim pra viver... Entre as músicas presentes no álbum se destacavam "Corsário" e "Para Lennon e McCartney"... me lembro de Elis gritando/cantando na propaganda "Por que você não verá meu lado ocidental" ou " Mesmo que mande garrafas, mensagens por todo mar"... enfim, me perco em divagações da minha infância estranha. Mas o fato é que Elis sumiu um tempo, sufocada pelos sertanejos, axés, coisas de adolescência, mas voltou forte quando ouvi "Gracias a la vida" ou "Me deixas louca" e tantas outras que não poderia citar. Quando vim pra cá, não pude deixar de pensar na música "No dia eu que vim me embora", triste e dolorosamente dilacerante pra mim, que deixava meu mundo lá do outro lado pra virar bicho aculturado pela eminente cultura francesa, européia....
Ao me despedir dos amigos, não pude deixar de pensar em "Nada será como antes", sobretudo no aeroporto, quando abracei Ana Paula, minha amiga/irmã/confidente, que me encorajou não derramando uma lágrima e quando toquei, pela grade, a mão de Harlen Félix... meu amigo/irmão/confidente, que me disse: "Te amo incodicionalmente, amigo". Isso vai ecoar na minha cabeça para todo sempre...  Enfim, Elis vive de certo modo comigo... assim como meus amigos. Elis é minha amiga porque ela testemunha todos os meus fracassos e sucessos...
Bem, como vocês devem ter percebido, mais do que carinha faz piada da própria desgraça, esse sou eu... melancolicamente eu e não me furto de viver a minha melancolia nesse mundo tão cheio de positividade artificial e de falta de inteligência no sentido mais estrito da palavra. E ouvir Elis me dizendo "que o sinal está fechado para nós que somos jovens" me faz pensar que abriram o sinal e a gente se perdeu pelas esquinas sem rumo e sem objetivo... acho que envelheço nessa cidade, não? 
Mas voltando ao assunto, dois dias depois dos 30 anos de sua morte e vendo o vídeo da música "Corsário" pela enésima vez, eu entendo porque Elis Regina continua sendo essencial.... ela define minha melancolia como ninguém e talvez ela defina a melanciolia brasileira... essa coisa meio histérica, meio triste, meio tragicômica que portamos dentro de nós... esse sentimento de alegria que escandaliza os estrangeiros, mas que vem sempre ao lado de uma dor sem limites... tiranias da vida, tiranias de nós mesmos que não sabemos ser outra coisa... Eu, eu não sei ser outra coisa.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Uma vida melhor: uma tentativa desgraçadamente infeliz de fazer filme com finais felizes

Quem nunca assistiu a um bom filme europeu? Se bem que isso é só uma expressão mesmo, porque, no fundo, bons filmes não tem nacionalidades.
Apesar de saber que  vai ter gente que vai ler isso e me achar um imbecil de marca maior, para mim Cidade de Deus, um filme brasileiro,do cineasta Fernando Meireles é muito mais filme esteticamente falando do que Quem quer ser um milionário?, de Danny Boyle, diretor inglês,  isso porque Meireles é genial, mostra a crueza da realidade brasileira e faz isso com tomadas genias e montagens sensacionais (o flashback que se inicia com um giro de 360º em torno de Buscapé e só terminado quando ele aparece criança é um exemplo), enquanto Danny Boyle fez um filme que mostra a miséria indiana e que tem como solução básica  um happy end como direito a uma dancinha à la Caminho das Índias. Não, não tenho nada contra finais felizes, até sou bem melodramático e adoro pensar que tudo vai dar certo no final. Outro detalhe: gostei e muito do filme de Boyle, mas Meireles como o filme que citei fez história no cinema mundial e influenciou até mesmo Doyle, inclusive na escolha da temática de seu filme.
Tudo bem! Não quero bancar o chatinho e ficar comparando filmes antigos. O que eu quero mesmo é discutir como o cinema europeu, especialmente o francês, que não tem uma tradição de finais felizes, rendeu-se ultimamente ao filão autoajuda que reina em todos os recantos do mundo...
 Eu sei que tem gente que quando ouve a expressão "filme europeu", ja pensa: "Hum, que desgracinha, mais um filme chato". Mas eu, como um bom amante de cinema, embora não seja um cinéfilo como meu amigo Gustavo, adoro filmes europeus. O meu cineasta predileto, depois de muita resistência e um pouco de insistência de uma amiga, é sem sombra de dúvida Pedro Almodovár, com todas as suas cores, sua histeria e o jeito todo especial de tratar problemas existenciais. 
Entretanto, esse post não é para discutir Almodovár, mas como o cinema francês tem feito filmes happy end. Assisti há algumas semanas Intouchables (Intocáveis, 2011), um filme muito bem feito, que conta a história de um homem paraplégico que recomeça a vida a partir da entrada de um cuidador que não tinha a menor experiência em cuidar dos doentes. Os papeis são muito bem defendidos por ambos atores e a história, baseada em fatos reais, é bem emocionante. Além desse filme, há ainda O fabuloso destino de Amélie Poulain (2001), que com suas cores fortes e um jeito meio "ingênuo" de contar a história de Amélie, conseguiu chamar a atenção de uma país tão centrado na produção americana como o Brasil.
Mas nem todas as experiências francesas com filmes de final feliz são bem sucedidas. Talvez porque eles, os franceses, sejam muito blasés para entender dessa coisa meio orgástica que é alegria de viver.
Ontem, fui ver, com um amiga, Une vie meilleure (Uma vida melhor, 2011) e a sensação que eu tive foi de decepção. O filme, super bem criticado e visto como um dos melhores na carreira de Guillaume Canet, não é nem de longe toda essa coisa que as revistas e sites especializados dizem. A fábula é clichê francês dos últimos tempos: o mocinho francês que se apaixona pela mocinha pobre e imigrante, de origem libanesa, e que tem um filho pra cuidar, resolve construir um restaurante sem ter grana e, é claro, se fode e não consegue sequer abrir o negócio. A mocinha ferrada até ultimo fio de cabelo (lembrem: ele tem um filho para cuidar) resolve abandonar namorado e filho e partir para o Canadá, onde, depois de perder dois empregos, vai vender cosméticos de porta em porta e acaba presa por tráfico de drogas. O título do filme, inteligentemente, joga com essa busca da vida melhor que motiva qualquer ser humano saudável e normal. Mas o fato é que a inteligência para por aí.
O filme é bastante fragmentário e as cenas desconexas não nos permitem preencher as lacunas que esses fragmentos deixam em aberto. Além disso, o cineasta tenta utilizar uma linguagem de documentário, com câmera solta e closes no rosto dos atores. Mas vamos combinar, né gente, Fernando Meireles é um só. Bastam que vocês vejam O jardineiro fiel para entenderem o que estou falando. No filme de Cédric Kahn, a câmera solta chega a ser desastrosa. Perguntem: Por que? Eu digo: ela treme o tempo todo, literalmente, o que desfoca a imagem e deixa o espectador tonto... nada estético, não é?
As imagens dos lugares miseráveis de Paris (sim, Paris tem lugares muito miseráveis, mas são muito bem escondidos) são um dado à parte. A meu ver, esse mostrar o miserê parisien remete ao filme de Alejandro Iñarritu, Biutiful (2011), que mostra a personagem de Javier Bardem, um pai em processo de morte, preocupado com o futuro dos filhos, dependentes de uma mãe junkie, às voltas com a miséria e as desgraças das ruas de Barcelona. Todavia, o que é poesia nas mãos de Iñarritu vira um clichezinho de europeu classista que resolve falar de uma pobreza que sequer se conhece por aqui  nas mãos de Kahn.
Para "ataiar", como diria uma personagem mineira de telenovela brasileira, Uma vida melhor fica devendo muito como história e como estética. Sinal de que os bons tempos como o da Trilogia das cores de Kieslowski não existem mais por aqui... pelo menos em alguns títulos recentemente lançados.