sexta-feira, 30 de março de 2012

As minhas lições ou um texto desconexo!

Todos sabem das minhas tendências ao melodrama pessoal. Tá, sou, sim, melodramático, diria uma mistura folhetinesca de Janete Clair e Ivani Ribeiro com pitadas de Gilberto Braga, porque ninguém é bobo de não ser minimamente sofisticado, meu bem!
Ultimamente, andei meio fora da casinha... na verdade, eu ainda estou fora da casinha. Não entro nela desde antes de ter saído do Brasil e, quando pensei que estava pra entrar novamente, eis que a porta se fechou, não sei se temporiamente, não sei se para todo sempre, amém! Mas c'est pas grave! Resolvo isso com uma caixa de Rivotril e tudo fica bem! Porque não há nada mais in do que comprar a felicidade na farmácia. Como disse a uma amiga há pouco: remédios nos dão uma felicidade espontaneamente artificial, já que nos dias de hoje, com todos os massacres psicológicos e físicos que os homens teimam em produzir e com as infelicidades que teimamos em procurar, a felicidade forçosamente natural está impossível!
E todo esse papo de felicidade tem sempre a ver com o modo como nos relacionamos com o que nos cerca. Para mim, é dificilimo me relacionar com franceses, por exemplo... Tenho de fazer um esforço sempre grande para compreendê-los e para entender que há certos aspectos culturais que são intocáveis. Esse jeito cartesiano, dicotômico, blasé e "sim, nós somos uma cultura importante!" às vezes me enchem o saco... e os parisienses se superam na capacidade de serem infames em todos os sentidos!
Mas é claro que, malgrado todos os pontos negativos que minha armadura cria para se proteger da alienação colonialista que ataca os brasileiros (e nisso, eu estou armado até os dentes), é sempre possível se encantar com Paris, assim como qualquer outro lugar e tirar, daí, lições para vida! Faço, antes de continuar, um parentêses: a síndrome da alienação colonialista é aquela mania que brasileiro tem de desancar o seu país, dizendo como é horrível a saúde, com a educação é precária, como o transporte coletivo não funciona e se esquece de ver os múltiplos pontos positivos que o Brasil tem. A gente ama achar o terreno do outro mais verde e florido.
Voltando ao encantamento e às lições: é possível tê-las de sobra numa cidade como Paris, que me desculpem os franceses que se acham, mas~não é lá uma cidade-símbolo de modernidade nem de cosmopolitismo.  Não!
A primeira lição que recebi foi conviver com vários estrangeiros e aprender coisas com eles. Não aprendi só coisas boas, certamente. No caso das ruins, eu percebi que há um certa vontade autoritária em alguns países de origem muçulmana... eles querem uma democracia sem discussões, onde todos concordem com eles, uma c muito parecida com a democracia que engendramos na América Latina.
Entretanto, como diz aquela frase clichê com a qual  "a mente que se expande jamais volta ao normal" e isso, para mim, significa: se colocar na posição do Outro pode ser muito valioso, aliás, muito mais valioso do que ir à Sorbonne e explico o porquê penso assim!
Aqui, onde moro, há várias faxineiras que habitam o subúrbio parisiense. Geralmente são de origem africana e levam uma vida muito dura, já que Paris intra-muros é cara e extremamente marginalizadora. Rachma, a femme de ménage do corredor em que moro aqui na MHH é uma malinesa divertida e educada. Ela conversa sempre comigo e, por meio dessas conversas, eu percebi como é difícil para eles, os imigrantes, estarem aqui, mas como também é difícil ter de voltar para seu país de origem,  porque a Europa, para eles, é sinônimo de sobrevivência e de manutenção da família. Ela me disse ter vindo para cá aos 18 anos, recém-casada, deixando no Mali toda a família. Em Paris, onde está desde a década de 90, ela teve cinco filhos, sendo que o último tem menos de 2 anos de idade! O pagamente de aluguel (ou prestação de casa) é algo que incrivelmente caro mesmo no subúrbio, além do valor do transporte que pode passar dos 100 euros se você morar na zona 5 ou 6 da Grande Paris. Enfim, eles ganham euros, mas pagam tudo em euros e isso meio que amortece e relativiza essa ideia doida que algumas pessoas têm de ficarem na Europa, pensando que aqui é o País das Maravilhas!
Há outras lições mais humanas e bonitas! Eu conheci, por exemplo, uma suéca cujos pais são iranianos e que fugiram de lá, quando se instaurou o regime dos aiatolás. A razão para o autoexílio é muito simples: os pais dessa jovem, pertencentes à esquerda iraniana, por não acreditarem no islã e por terem suas ideias consideradas subversivas, obrigaram-se a procurar proteção na Europa que, apesar de todos os pesares, conseguiu um relativismo religioso importante nos últimos séculos. Foi com essa amiga que eu festejei o ano novo persa, uma festa pagã criada por Zoroastro uns 5 séculos antes de Cristo e que, segundo ela, festejava-se pulando fogueiras, representações do fogo da vida.
Essas pequenas lições me fazem pensar em como somos pequenos, quando não nos permitimos  pensar a partir da perspectiva do outro. No fundo, quando retiramos o comportamento blasé dos franceses, quando retiramos véus de uma muçulmana, os panos coloridos de uma malinesa ou a alegria sexual/sensual dos latinos, o que sobra é apenas a sua humanidade que é exatamente igual a minha humanidade que é exatamente igual a sua humanidade e assim sucessivamente! É triste dizer isso, mas não conseguimos enxergar o outro em suas dimensões. Não conseguimos perceber que a riqueza da diversidade de opiniões e posturas em relação à vida é o que faz da vida essa coisa mágica e megalomaníaca que, no fundo, apesar de depressões e infelicidades, vale a pena ser vivida.
Mas o que acontece é que queremos vingança, queremos sangue e queremos faxinar o mundo para que ele se torne um lugar pasteurizado para aqueles que pensam como nós. É desse modo que vemos os judeus, vitimas do passado, tornarem-se carrascos dos palestinos, impedindo-os de exercerem seu direito mais sagrado que é a liberdade. É desse modo que vemos jovens árabes sacando de armas e matando crianças judias em Toulouse para vingar as mortes das crianças palestinas, como se isso fosse resolver os problemas. É desse modo que vemos a polícia "mandando" o cacetete nas costas de estudantes ou qualquer outra pessoa que ouse questionar o status quo. É desse modo que vemos os ditos cristãos mais preocupados com a moral e os bons costumes do que necessariamente com o amor e a misericórdia que também é uma forma de amor. Todos estamos querendo as manifestações Deus, milagres de Deus, castigos de Deus para os pecadores e benesses de Deus para os eleitos sem nos darmos conta de que o maior milagre que a vida ou isso que chamamos de Deus pode nos proporcionar é o milagre nada milagroso de ser, de amar e de respeitar os que nos cercam em suas particularidades!
Talvez, eu esteja iludido, talvez eu seja utópico, mas eu prefiro me manter na utopia de um mundo que eu não precise amar a todos indistintamente, mas também não preciso matar ninguém simbolica ou literalmente para me afirmar... Eu talvez nem seja desse mundo... na verdade, eu prefiro mesmo não ser porque melancólicamente eu vou me dando conta, devagarinho, de que viver, no fundo, é uma grande perda de tempo e um luxo desnecessário e sem precedentes que acaba com minha saúde. Mas eu continuo!  Eu tento continuar enxergando as coisas humanamente bonitas que a vida me dá de presente e teimarei tentando respeitar as particularidades desse humanamente diverso, mesmo quando ele me agredir. Sei que muitas vezes vou fracassar, afinal eu também sou humano e gosto disso!

terça-feira, 6 de março de 2012

A insustentável leveza de ser...

Há dois textos que me impressionam muito, porque mais do que qualquer frase de autoajuda e ou qualquer versículo dos chamados testamentos sagrados eles me desestabilizam... porque, no fundo, sabemos que isso que chamamos de Deus é informe e inapreensível e por mais que tentemos defini-lo e por mais que os guardiães do templo digam, ou melhor, gritem a plenos pulmões o que de nós espera o Deus, nunca saberemos de fato por qual razão megalomaníaca ele nos criou, nós que somos tão mesquinhos, nos que matamos o nosso irmão de morte morrida e, se não ousamos matá-lo de morte matada, é porque somos covardes, é porque temos medo de perder nosso status, é porque não o queremos como mártir porque isso nos denegriria como homens, nós que somos tão ciosos de nossa verdade, de nossa virtude e de nossa capacidade de bem escolher aquilo que o outro deve fazer... Eis que somos o anjo maldito que tem a espada na boca., espada que fere e corta, que mata sem matar. Nós somos o demônio de nós mesmos porque demônio não há e nós nos encarregamos de construir o inferno dos outros... e eles se encarregam do nosso inferno.
Mas voltando aos textos que me desestabilizam. Outro dia reli uma crônica de Caio Fernando Abreu chamada "O rosto atrás do rosto", o que causou uma dor terrível porque ele porta uma verdade que poucos ousam reflitir. Na crônica, ao encontrar um rosto lindo e imóvel, uma personagem inominada passa tentar de todos os modos apreender alguma reação deste. Ele beija a boca do rosto, depois ele morde a boca do rosto até lhe arrancar as carnes, ele bate na face do rosto e bate tão forte que este rosto começa a ficar machucado, cheio de hematomas e feridas. Mas o rosto se mantém impassível. E num movimento de fúria incontrolável, a personagem saca um objeto cortante e fere o rosto de morte, saca um estilete e fura os dois olhos do rosto que o encantava. Mas, então a personagem percebe que esse rosto antes perfeito e enigmático era na verdade uma máscara e, ao arrancá-la, se depara com seu próprio rosto que lhe diz: "Mais nítido do que as ruas sujas, reata o hexagrama das cores do arco-íris suspenso no céu". E dessa forma enigmática termina o texto.
Mas esse texto de Caio me leva diretamente para um de Clarice Lispector que se chama "Persona". Partindo de uma reflexão sobre o filme de mesmo nome, realizado por  Ingmar Bergman, Clarice fala da condição humana e usa o termo persona (mascara em latim) para falar exatamente desse processo doloroso que é, para nós, afivelar uma máscara. A pessoa é... mas ser é doloroso demais e por isso precisamos de nos disfarçar sobre o forçado esquema dos jogos sociais que nos limitam e nos salvam, mas que nos sufocam e matam em alguns momentos.
Todos temos uma máscara que usamos mais ou menos conscientemente e quanto mais cônsil você for da máscara que você usa, menos você será capaz de matar ou machucar, ainda que por palavras, que ferem mais do que a lâmina pontiaguda de um punhal, o teu semelhante que não quer usar a máscara que você veste em seu rosto.
No fundo, não lidamos com a insustentável leveza de ser... nos que mordemos o fruto do conhecimento e da ciência, estamos loucamente alucinados com a verdade. E eis que eu, que não tenho a pretensão de conhecer a verdade, porque ao contrário do que diz o livro sagrado, ela é escravizadora e faz de todos os que pensam tê-la encontrado algozes dos seus semelhantes, ouso desprezar a verdade para que ela venha até mim...
A insustentável leveza de ser é SER simplesmente e ser demanda viver e viver demanda não se preocupar com o outro, ainda que você tenha preocupação, ainda que você deseje o bem-estar de quem você ama. Porque se há salvação, ela é minha e não nossa; toda a vez que me sinto homem capaz de amor de todos os modos possíveis eu me salvo.
Mas o que queremos nós, os homens? O  querem os ciosos homens de bem? Eles desejam que o rosto atrás do rosto esboce uma reação que seja igual a sua. Qual será a surpresa cruel dos guardiães do templo quando descobrirem que, na verdade, o rosto que eles ferem é o seu próprio rosto... porque no fundo todos somos iguais em desgraça, todos somos fadados ao fim último que é o pó e os vermes.
Escrevo isso sob o impacto doloroso da marcha contra os homossexuais no Brasil.
Triste Brasil que, malgrado sua fama de democracia sexual, torna-se gradualmente uma teocracia decrépita e mentecapta... Como, todavia, sou esperançoso e acredito que a verdade é inescrupulosamente cruel, um dia os fariseus modernos compreenderão que só feriram a si... Por hora eles estão ignorantes. Eles seriam capazes de crucificar, fuzilar, torturar e mandar tropas de choque matarem a Cristo mil vezes se preciso fosse, se ele ousasse vir de novo entre nós. Isso porque acredito que Cristo, a quem admiro muito pela coragem de ter vivido como revolucionário e não pela coragem de ter morrido como mártir, se estivesse entre nós, não seria capitalista, burguês, homofóbico e defensor da propriedade privada dos especuladores econômicos. E se fosse poderoso estaria impregnado pelo espírito de solidariedade e de misericórdia pela nossa tão triste condição de homem.
Como você sabe? Diria um guardião do templo cioso de conhecer as palavras de Deus. E eu do alto da minha grande ignorância religiosa diria: "Pois veja em Mateus,  capítulo 21,  versículo 31, meu caro, porque também conheço a Bíblia, apesar de não ser religioso!". E o guardião do templo encontraria essas palavras que não são minhas: " Em verdade vos digo que os publicanos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus".
E você, pretende a verdade pronta de um suposto enviado ou é capaz de pensar na máscara que você usa e, desse modo, se precaver de ferir o rosto atrás do rosto que pode ser o seu ou de quem você ama?