terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Uma vida melhor: uma tentativa desgraçadamente infeliz de fazer filme com finais felizes

Quem nunca assistiu a um bom filme europeu? Se bem que isso é só uma expressão mesmo, porque, no fundo, bons filmes não tem nacionalidades.
Apesar de saber que  vai ter gente que vai ler isso e me achar um imbecil de marca maior, para mim Cidade de Deus, um filme brasileiro,do cineasta Fernando Meireles é muito mais filme esteticamente falando do que Quem quer ser um milionário?, de Danny Boyle, diretor inglês,  isso porque Meireles é genial, mostra a crueza da realidade brasileira e faz isso com tomadas genias e montagens sensacionais (o flashback que se inicia com um giro de 360º em torno de Buscapé e só terminado quando ele aparece criança é um exemplo), enquanto Danny Boyle fez um filme que mostra a miséria indiana e que tem como solução básica  um happy end como direito a uma dancinha à la Caminho das Índias. Não, não tenho nada contra finais felizes, até sou bem melodramático e adoro pensar que tudo vai dar certo no final. Outro detalhe: gostei e muito do filme de Boyle, mas Meireles como o filme que citei fez história no cinema mundial e influenciou até mesmo Doyle, inclusive na escolha da temática de seu filme.
Tudo bem! Não quero bancar o chatinho e ficar comparando filmes antigos. O que eu quero mesmo é discutir como o cinema europeu, especialmente o francês, que não tem uma tradição de finais felizes, rendeu-se ultimamente ao filão autoajuda que reina em todos os recantos do mundo...
 Eu sei que tem gente que quando ouve a expressão "filme europeu", ja pensa: "Hum, que desgracinha, mais um filme chato". Mas eu, como um bom amante de cinema, embora não seja um cinéfilo como meu amigo Gustavo, adoro filmes europeus. O meu cineasta predileto, depois de muita resistência e um pouco de insistência de uma amiga, é sem sombra de dúvida Pedro Almodovár, com todas as suas cores, sua histeria e o jeito todo especial de tratar problemas existenciais. 
Entretanto, esse post não é para discutir Almodovár, mas como o cinema francês tem feito filmes happy end. Assisti há algumas semanas Intouchables (Intocáveis, 2011), um filme muito bem feito, que conta a história de um homem paraplégico que recomeça a vida a partir da entrada de um cuidador que não tinha a menor experiência em cuidar dos doentes. Os papeis são muito bem defendidos por ambos atores e a história, baseada em fatos reais, é bem emocionante. Além desse filme, há ainda O fabuloso destino de Amélie Poulain (2001), que com suas cores fortes e um jeito meio "ingênuo" de contar a história de Amélie, conseguiu chamar a atenção de uma país tão centrado na produção americana como o Brasil.
Mas nem todas as experiências francesas com filmes de final feliz são bem sucedidas. Talvez porque eles, os franceses, sejam muito blasés para entender dessa coisa meio orgástica que é alegria de viver.
Ontem, fui ver, com um amiga, Une vie meilleure (Uma vida melhor, 2011) e a sensação que eu tive foi de decepção. O filme, super bem criticado e visto como um dos melhores na carreira de Guillaume Canet, não é nem de longe toda essa coisa que as revistas e sites especializados dizem. A fábula é clichê francês dos últimos tempos: o mocinho francês que se apaixona pela mocinha pobre e imigrante, de origem libanesa, e que tem um filho pra cuidar, resolve construir um restaurante sem ter grana e, é claro, se fode e não consegue sequer abrir o negócio. A mocinha ferrada até ultimo fio de cabelo (lembrem: ele tem um filho para cuidar) resolve abandonar namorado e filho e partir para o Canadá, onde, depois de perder dois empregos, vai vender cosméticos de porta em porta e acaba presa por tráfico de drogas. O título do filme, inteligentemente, joga com essa busca da vida melhor que motiva qualquer ser humano saudável e normal. Mas o fato é que a inteligência para por aí.
O filme é bastante fragmentário e as cenas desconexas não nos permitem preencher as lacunas que esses fragmentos deixam em aberto. Além disso, o cineasta tenta utilizar uma linguagem de documentário, com câmera solta e closes no rosto dos atores. Mas vamos combinar, né gente, Fernando Meireles é um só. Bastam que vocês vejam O jardineiro fiel para entenderem o que estou falando. No filme de Cédric Kahn, a câmera solta chega a ser desastrosa. Perguntem: Por que? Eu digo: ela treme o tempo todo, literalmente, o que desfoca a imagem e deixa o espectador tonto... nada estético, não é?
As imagens dos lugares miseráveis de Paris (sim, Paris tem lugares muito miseráveis, mas são muito bem escondidos) são um dado à parte. A meu ver, esse mostrar o miserê parisien remete ao filme de Alejandro Iñarritu, Biutiful (2011), que mostra a personagem de Javier Bardem, um pai em processo de morte, preocupado com o futuro dos filhos, dependentes de uma mãe junkie, às voltas com a miséria e as desgraças das ruas de Barcelona. Todavia, o que é poesia nas mãos de Iñarritu vira um clichezinho de europeu classista que resolve falar de uma pobreza que sequer se conhece por aqui  nas mãos de Kahn.
Para "ataiar", como diria uma personagem mineira de telenovela brasileira, Uma vida melhor fica devendo muito como história e como estética. Sinal de que os bons tempos como o da Trilogia das cores de Kieslowski não existem mais por aqui... pelo menos em alguns títulos recentemente lançados.

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